Wauja Onapã – Canto Wauja

Documentário -Alunos e comunidade dançando e cantando no ritual Kagapa - Foto de Piratá Waurá
Alunos e comunidade dançando e cantando no ritual Kagapa - Foto de Piratá Waurá / 2021

A música é uma expressão sagrada na cultura Wauja. É um conhecimento que não se escreve em papel, que se transmite escutando e memorizando. A diversidade musical da etnia é muito rica, não por acaso as festividades e celebrações são marcadas pela forte presença dessa expressão artística, que assume caráter ritualístico.

Entretanto, com o passar dos anos, percebeu-se que este conhecimento estava se tornando restrito aos mais velhos, colocando em risco a continuidade destas tradições, até porque alguns anciãos morreram e levaram consigo músicas que hoje se perderam. Então, ciente de que outras também estavam em vias de desaparecer, a comunidade decidiu tomar uma atitude, afinal sem música não há festas ou rituais. 

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E assim surgiu o Wauja Onapã – Canto Wauja, projeto que aliou o ensino tradicional – por meio da oralidade, escuta e prática – às novas tecnologias de registro e reprodução, como a gravação de áudio, o vídeo e a fotografia, permitindo compor material didático para os jovens aprendizes e para as futuras gerações.

Foram realizadas atividades de aprendizagem e registro. Os Apaiyekene (professores/músicos/cantores) deram aulas para jovens aprendizes e os avaliaram durante duas festividades: o Kagapa e o Yamurikumã. Além de aprender as canções, os alunos também vivenciaram a experiência de construir flautas, tambores (tõka) e chocalhos (wãu) com elementos tradicionais, como a cabaça e o bambu.

Aliás, neste processo de coleta da matéria-prima até a confecção do produto final, tiveram que viajar de barco até a aldeia Kuikuro para recolher um bambu específico, pois este estava em falta na região, e aproveitaram para trazer mudas que irão garantir instrumentos para as futuras gerações.

E como a música tradicional é um conhecimento pautado pela oralidade, optou-se, também, em fazer registros audiovisuais para compor um material didático digital de apoio ao ensino wauja. “Com estes registros, os alunos podem assistir as aulas sempre que quiserem”, destaca Piratá Waurá, um dos responsáveis pela iniciativa.

Akari, Talakumai, Atakaho, Tarukaré, Yapatiama e Kalueuku são os únicos Apaiekene cantores da aldeia. O projeto contribui para o reconhecimento da importância destes mestres por parte da comunidade, reativando a memória coletiva e repassando um conhecimento em risco de extinção. 

“Para o povo Wauja, a música está em todo lugar. Sem música não tem dança, não tem ritual, não tem cultura. A música traz a festa e a alegria inebriantes para todo o mundo e alegra também os apapaatai, os espíritos protetores de nossos recursos”, explica Piratá, que aproveitou a oportunidade para fazer um documentário.

Documentário

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Intitulado “Wauja Onapã”, o curta-metragem de quase 20 minutos foi produzido por uma equipe de indígenas da aldeia Piyulaga. Com roteiro e direção de Pirtatá, a obra é composta por imagens inéditas das festas Kagapa e Yamurikumã, além de alguns depoimentos para contextualizar estas duas celebrações ritualísticas.

O documentário apresenta uma narrativa poética e original acerca destas duas manifestações culturais, entrecruzando registros sonoros e imagéticos com a finalidade de se criar um discurso audiovisual que possibilita ao público leituras em diferentes camadas.

Kagapa e Yamurikumã

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A Kagapa é constituída por mais de 80 músicas. O cantor principal fica de pé cantando e tocando o chocalho, enquanto outra pessoa fica sentada ditando o ritmo com o tambor. Todos participam dançando: homens, mulheres e crianças. E em algumas ocasiões, durante a celebração, também podem acontecer casamentos. 

Kagapa significa lambari, pois a cerimônia se realiza para o espírito deste peixe. “Quando o espírito do lambari (apapaatai) não está contente, ele causa doença. O pajé vai reconhecer qual o espírito que está causando a doença e vai contar para o pessoal. O pajé vai fazer pajelança e a comunidade vai fazer a festa Kagapa para que o lambari não volte a prejudicar a saúde da pessoa”, comenta Piratá.

Já o Yamurikumã é um ritual feminino no qual só mulheres cantam e dançam. Os cantos do Yamurikumã são os únicos que se destinam a jovens mulheres que tenham interesse em aprendê-los para se tornarem cantoras. 

“O povo Wauja vem preservando suas tradições e conhecimentos, aprendendo através da prática e oralidade, escutando as histórias dos anciões, as músicas, memorizando e praticando, e assim levando nosso conhecimento milenar para as novas gerações”, conclui Piratá.

O projeto do livro foi selecionado no edital MT Nascentes, realizado pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT) com recursos da Lei Aldir Blanc. E também contou com o apoio financeiro e assessoria do Instituto Homem Brasileiro (IHB).